9 de fev. de 2009

Mau gosto digital tem limite

O que a internet e a câmera digital fizeram com a dignidade humana?
Será que por conta disso, as próximas gerações já virão sem dignidade?
Por que uma pessoa passa a se comportar como Paparazzi de si mesma, desenvolvendo uma neurose narcisista que lhe faz, compulsivamente, registrar todos os seus momentos em câmera e, não satisfeita, postar em orkut, flickr e tudo mais quanto for possível?
Sem contar que foto dos outros, é chato pacaraleoooooooooooo. Como assistir DVD de viagem alheia. Se fossem ângulos, tomadas e situações inusitadas, ainda vá lá... Mas geralmente é fulaninha ao lado do coqueiro-anão... fulaninhas envergando copos de cerveja... fulanos e fulanas em sorrisos ginecológicos na balada... Penso que parte dos momentos de lazer é perdido somente nesta coisa faz-pose...
Maldita câmera digital. Maldita sociedade cafona. Malditas ferramentas de internet. E aquelas fotos de gente que se acha esperta e finge que está empurrando a Torre Eifel? Ou imagens que não nos dizem nada, mas dizem tudo pra quem tirou... Ai que saudades de Glauber Rocha...
Que saudades da era analógica. Essa coisa pseudo-democrata que é a internet é uma tristeza só...
Não fossem alguns amigos que fiz, acharia o http e desplugaria o mundo.
É como ultrassonografia. Devia ter muito mais graça esperar alguém 9 meses sem saber o que seria. Mas agora, além de saber o sexo, dá pra saber o que o neném faz lá dentro. Dentro de você. Urghhhhhhh.... É nojento aquele monte de perninha e bracinho se mexendo dentro da gente. Parece um alien. É igual ao um alien. E ainda dá pra ver a carinha. Pra que ver carinha de bebê? Todos têm a mesma cara de joelho. Eu tenho uma Teoria sobre estes aparelhos de ultrassom em 3D. Pra mim, é tudo coisa gravada e lançada numa tv "Telefunken" de 1970, pra nego fingir que entende o que médico finge mostrar.
E essa de ultra em 4D. Alguém pode me explicar? Será que eles lêem o avesso do bebê já?

Uma de minhas furadas

No auge do desespero somos capazes de fazer coisas que, antes, negaríamos até a morte.
O que eu fiz foi ainda inflamada pela dor e confusão da morte do meu pai.
Ninguém entende que a dor começa a piorar depois de 15 dias, 1 mês.

Enfim, eu, criação católica em colégio de freiras, com pavor, preconceito e um racionalismo prepotente contra qualquer manifestação que invoque orixás, demônios ou coisas parecidas... Eu, com minhas explicações neurocientíficas para fenômenos desenvolvidos por auto-projeção, no desespero, aceitei o convite de um casal amigo do meu pai e lá fui, com minha tia e um outro primo (que é a vítima de plantão de todas as minhas furadas), a um tal Terreiro...
O lugar era longe. Numa cidade metropolitana. Numa estrada secundária. E lugares sinistros, pra parecer desenho do Scooby-doo, só funcionam à noite. (Ah, claro! minha cachorrinha cofap, a Loló Black Dog, estava junto).
O casal havia chegado antes - pois segundo a lenda - o negócio era movimentado.

Cheguei. Mais parecia o Bali Hai de verão. Rodei atrás de vagas até que encontrei... Descemos. Loló ficou no carro, é claro.
O negócio era um Projac dos babalorixás...
Tinha lojinha de um lado, mini-tenda de outro... tudo muito bem construído e bonito.
E os carros que estavam lá eram, na maioria, de luxo. (Pensei: será que é assim que esse povo fica rico? Chupando sangue de pescoço de cabra?)
Entramos, tomamos nossos lugares. Eu estava morrendo de medo e olhava pra tudo com estranhamento. As pessoas se encontravam, faziam algazarras e por um momento esqueci que aquilo era um Terreiro. Achei que era Rave.
Era uma espécie de picadeiro. No centro, um povo com roupa de vendedor de cocada... aquelas coisas cheias de panos brancos... começou uma música...o povo em volta cantava... Não, pensei eu, estou em esquenta de Ensaio de Escola de Samba.
Passavam pessoas vendendo água e cerveja (acho que pro santo descer mais contente)...
Rufaram os tambores (que meda!!!!). De repente todo o povo que estava disperso foi se juntando no meio do picadeiro... cantando e fazendo aquelas coreografias 2 pra lá, 2 pra cá...
Eu era a única que não cantava nada.
Meu primo, após algumas tantas latinhas de cerveja, já parecia pertencer aos fanáticos...
Um grito: Eparreeeeeeeeeeeeeeeeiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ai Jesus, pensava eu, enquanto agarrava meu escapulário de N. Senhora.
Ameacei ir embora. Minha tia lançou argumentos convincentes: você vai saber do seu pai... (embora no meu íntimo eu visse meu pai desprezando aquela encenação toda).
O negócio começou a pegar fogo no picadeiro. Era um tal de bater cabeça, de cantar, tanta coisa que o Cirque Du Soleil ficaria com inveja...
Foi quando umas figuras vestidas não sei do que saíram do centro e encenaram a dança da chuva, vindo, cada uma, na direção das portas. Eu estava ao lado de uma porta e não me dei conta. O coisa peluda veio chegando e lançou, com toda força, uma adaga que fincou na porta ao meu lado. Eu pensei: que viadofilhadaputa, se me acerta esse maluco???
E eles disseram que o Tranca-rua trancava tudo a partir daquele momento.
Meu coração estava disparado. Eu só rezava pra não encontrar nenhum conhecido,porra!

E o negócio demorava, enrolava, era canto pra mil santos diferentes. Eu já de saco cheio. Falei: tia, caraio, vou sair daqui. Tô com falta de ar, esse fumo de rolo fedido, essa gente histérica, tô passando mal... Ela argumentou que não poderia sair pois o tranca-tudo tinha trancado as portas e ninguém podia se mexer. Eu falei: eu não tô nem vendo ele aqui... E saí, com os olhos de todo mundo nas minhas costas...
Que alívio sentir o ar fresco. No estacionamento, uns 500 carros, sem brincadeira...
Corri pro meu, onde estava a Loló e levei-a pra dar uma voltinha, pois ela deveria fazer xixi.
Fomos andando. Tudo era muito bem cuidado. Ela queria água. Eu não achava uma torneira. Avistei um laguinho, onde a lua cheia refletia. Disse:Loló, um laguinho! Vamos ver! Lá fomos nós...
À medida que me aproximava, o lago assumia contornos estranhos... Não era um lago tal e qual eu conhecia. Como o terreno era cheio de altos e baixos, fomos chegando perto... Não!!! Definitivamente não era um lago. Era um cemitério!!! E as lápides em mármore, onde a lua refletia, fez que eu associasse a imagem a um lago.
Porra, um cemitério. Naquela hora eu me senti o Salsicha e a Loló, o Scooby-doo, de verdade.
Gritei: simbora! pra Loló e saímos correndo. Estávamos longe do circo. Foi quando eu vi um quiosque iluminado e pensei: ufa!!!! é pra lá que eu vou...
Corremos tantos que chegamos rápido. No quiosque só havia um preto velho sentado, de chapéu e cotovelo no joelho. Na sua frente um bandejão e umas velas vermelhas e azuis... Cacete!!!
Era uma entidade qualquer. Eu tava frita! Por onde sai daqui??? Com apenas a lógica de que tudo que sobe, desce, lasquei a descer o morro... Estava muito escuro, não fosse a lua Cheia, nós estávamos ferradas...
Quando cheguei ao carro, me senti no útero de minha mãe... Guardei a Loló e voltei correndo para o circo. Pela mesma porta esfaqueada que o tal do Tranca tudo havia trancado. Quebrei o protocolo e entrei.
Minha tia ainda lá... e meu primo, álcool 90graus, fazendo gestuais pra receber algum santo que por lá passeasse.
Depois de tudo isso, comecei a chorar como uma criança. O velho que estava organizando a entrada pra conversa com os médiuns, me viu e me chamou... e por conta do meu choro, furou a fila pra que eu falasse com uma mulher mais ou menos da minha idade, alguns anos de LSD a mais na veia.
A mulher, acocorada num banquinho, fumando um charutão, me disse: qq cê têm fiá...
Eu: eu quero falar com meu pai!!!!!!!!!!!
Juro que a mulher possuía uma personalidade esquizofrênica. No mesmo instante em que ela ria, olhou pra baixou e voltou chorando..."ó que saudades de vc minha filha...quanto tempo que não te vejo..."
Minha tia estava a fim de brigar, eu percebi... e eu disse: "mas não é tanto tempo...vc morreu na quarta e hoje ainda é segunda!!!"
Ela: "não não minha filha... que saudades de você... não tá me reconhecendo???"
Eu: hã???
Ela: "sou eu, tua mãe"
Eu: "Mas eu não quero falar com minha mãe. Eu quero falar com meu pai!!!! Meu pai!"
Aí minha tia entrou no assunto: se vc diz que é quem vc diz ser, me dê uma prova...
Eu: tia, num provoca o santo pelamordeDeus!!!
Ela, a médium, ria disfarçando uma ponta de raiva. E me abraçava, e chorava.
Minha tia: me diga uma coisa que vc gostava muito de fazer (a resposta era: pintar.)
Ela, a médium: eu gostava de ficar no meu jardim,olhando minhas plantas... (resposta errada: minha mãe odiava jardim, mato e flores. Mas ódio mortal).
Depois disso não nos restou mais nada a não ser sair correndo daquele lugar pra nunca mais voltar.
Claro que não, sem antes, encontrar algum conhecido. Uma perua que trabalhava comigo e que eu jamais em tempo algum, imaginei encontrar lá.
Como ela fez que não me viu e eu fiz a mesma coisa... assim ficou...
E plagiando Padre Quevedo, estas coisas, não EKSITEMMM

Meu pai

Esta história é real, não é engraçada e não deve ser lida por pessoas impressionáveis.

O acidente cruel e violento que levou a vida de meu pai, quase levou minha sanidade. Um dia, quando tiver coragem, conto como foi este acidente. Por enquanto não me permito...
Mas enfim...
Não sei que mecanismos são ativados neurologicamente para que não lembremos em detalhes de tudo o que aconteceu em tragédias desta natureza. Este"botãozinho" é o que nos salva, pois se eu tivesse total consciência das lembranças dos momentos seguintes, eu não suportaria viver.
As pessoas que estavam comigo dizem coisas que eu não lembro. De jeito nenhum.
Outras situações eu recordo, mas não sei se é porque me contaram tanto que eu acabei acreditando nesta versão.
O que eu me lembro, e que é o suficiente para me causar taquicardia, é de um tempo enooorme que os médicos demoraram para remover meu pai. De eu ter, pela primeira vez, nenhuma esperança quanto à sua sobrevivência. Dele ter tido uma parada cardiorrespiratória na minha frente e eu ameaçar o médico com uma arma para que ele fizesse alguma coisa.
Lembro do meu primo me puxando pra longe e me abraçando, retirando o revólver da minha mão. Do meu tio, irmão do meu pai, junto aos médicos. E de pessoas chegando. Amigos e parentes que eu não posso dizer com exatidão quais eram...Isso era uma quarta-feira, perto da meia-noite.

Lembro de ter pego meu carro e saído correndo pela cidade, furando todos os sinais, sem ter consciência de que aquilo era uma tentativa suicida... Eu já havia ingerido alguns calmantes por conta própria e outros que me deram...então, na rua, eu lembrava que tinha que voltar pra casa e contar ao meu pai o horror que eu estava vivendo.
Mas logo eu me lembrava que ele, pela primeira vez, não poderia me consolar, me abraçar ou dizer que não era nada, já que aquilo era com ele. Qdo isso acontecia, eu sentia golpes de ar no meu estômago...
Então eu voltava ao local do acidente com a esperança infantil de que tudo já estivesse resolvido. A ambulância ainda estava lá. Ainda não tinham retirado meu pai. Eu brigava, agredia a equipe de socorro. Ligava para os médicos conhecidos. Colocava-os em contato com o médico que estava no acidente.
Foi quando eu vi o médico examinando as pupilas de meu pai e dizendo: glascow 3.
Eu sabia o que era Glascow 3. Venho de uma família de médicos. Glascow é uma escala que vai de 3 a 15, sendo a 15 a que corresponde a uma pessoa normal, lúcida, sem danos cerebrais... 3 é a pior pontuação. Significa atividade cerebral não-responsiva. Coma. Estado vegetativo.

Depois de umas 2horas e de eu ter saído novamente com meu carro, corrido e voltado... a equipe ainda estava lá. Eu berrava, tapava os ouvidos, escondia a cabeça como se isso ajudasse.
Algumas pessoas me deram mais ansiolíticos, outras me davam água e açúcar... sei lá... nem lembro mais.
Enfim a ambulância saiu e eu não tive coragem de ir junto. Meu pai sangrava muito. Estava entubado e uma amiga de casa o acompanhou. Soube que ele teve mais 4 paradas cdr dentro do veículo. E voltou rapidamente com manobras de ressuscitação. O coração dele era fortíssimo. Ele era atleta. Tinha ido à natação naquele dia de manhã. Jogado baralho à noite...

Eu fui no carro de alguém. Acho que do meu tio.

Esperei meu pai entrar e alguém preencher a papelada burocrática.
Fiquei na frente do hospital com algumas pessoas, mas só lembro do meu tio me olhando e dizendo: calma, menina.
Entrei. O médico socorrista saiu e veio me dar um abraço. Ele estava todo ensopado de suor e nervoso. Não ligou para a ameaça que eu fiz a ele no local do acidente.

Eu não queria falar com ninguém. Sentei bem longe de todo mundo. Mas sempre tem alguém que vem ficar ao seu lado.

Passou-se um tempo. Eu estava totalmente dopada. Minhas tias e o médico vieram dizer para que eu me despedisse do meu pai. Eu falei que não iria me despedir porra nenhuma, o que eles estavam pensando???

E fui para o carro do meu primo. Cansada e dopada.
Fui pra casa. Veio um bando de gente junto pra dormir comigo. Isso eram 4h da manhã.
Acordei com ânsia. Com um desespero branco.

Meu pai, soube, tinha ido para o IML (eu nunca imaginei que meu pai fosse parar naquele local horrível) e o corpo não tinha sido liberado.
Não quis saber de nada. Deixei tudo por conta dos meus tios.
E resolvi não ir ao velório.
Enquanto isso, na minha casa, os amigos de futebol dele não paravam de chegar. Eu estava deitada na rede dele. Na rede verde que compramos dois verões atrás, em que ele se deitava todo dia. Falavam comigo e eu não respondia.

Por insistência, acebei indo ao velório.
Quando cheguei já havia bastante gente. E foi surreal minha entrada: eu andava como se fosse uma espectadora distante. Via uma caixinha de madeira capaz de levar toda a vida do mundo, na morte. Via a caixa suspensa, em pedestais circenses. Não acreditava que meu pai poderia estar lá. Como????
Eu via que todo mundo esperava uma reação teatral minha. Me aproximei. Não era ele. Por que ele dormia tanto? Por que estava com uma blusa que ele não usava? Por que não colocou as novas que tínhamos comprado? E o cabelo dele, loiro e liso como pluma, estava pra trás. Não era assim que você usava, pai. E aquele terço em suas mãos, no peito. Quem colocou? Vc nunca foi muito de igrejas e terços... E vc dormia sem o seu famoso ronco. Não era você pai. E não havia os sons de jogo de futebol por perto. Não havia rádio e tv ligadas. Nenhum chocolate ou doce por perto. Não era você pai. Todo o meu pai não poderia caber naquela caixa de madeira impessoal.
Vc não estava perfumado, e você adorava perfumes. Você não trazia o apito amarrado a uma corda no pescoço. Você não empunhava um agulha gorda com linha pra remendar bolas de futebol do jeito que você aprendeu com um amigo que foi presidiário. Então não era você, pai. E não tinha música no último volume. Não era você quem estava ali.

Eu lembro que tomava mais e mais drogas. E dormi todo o resto do dia e a noite. Me acordaram para a benção do padre. Este padre que vá para o inferno, pensei. E continuei deitada.
Estava na hora de meu pai ir (pra onde???). Os irmãos e sobrinhos foram se despedir (aqui é um hábito). Eu beijei meu pai. Mas não era ele. Meu pai era vermelho, um ítalo-alemão-polonês de tez sadia e quente. Aquele na caixa estava frio. Beijei-o. Não era meu pai.
Seguimos para o enterro. Eu, sem nenhuma força, pedi para entrar na van da funerária, junto ao caixão. Não conseguia nem andar.
Eu não lembro de mais nada. Me disseram que estava lá. Mas eu não lembro. Dizem que meu pai está naquele lugar. E eu não lembro.
Se ele foi mesmo, por que deixaria as coisas que ele gostava, títulos, chuteiras e bolas aqui???
Tem algo errado nisso.

O livro do Luiz Henrique

Demorei dias pra desenvolver este texto. Humilde, por sinal. Sem brilhantismos.
Mas é porque não achei expressões ou palavras que tivessem a capacidade de descrever o turbilhão de sensações que o livro de Luiz Henrique, intelectual e músico, merecessem.
Como chego ao estágio de convencimento de minha própria mediocridade, segue este pequeno comentário:

"Outono nas Aurácarias", romance de Luiz Henrique Fonseca, nos abre as portas de um mundo surpreendente: o temido "eu interior".
Sem notarmos, passamos a ser o próprio personagem principal. Achar pertinência em todas as suas sensações e questionamentos. Assim como, aos poucos, identificamos partes de nós em outros personagens que habitam esta trama literária envolvente.

Nos vemos nos questionamentos e insights produzidos por Eduardo, nas atitudes injustificáveis de Gapski, Belinha, Esther, D. Arminda... enfim, de tantos outros que parecem habitar em nós mesmos.

As reflexões destas criaturas são tão reais que é difícil imaginar que não existam. E nos fazem temer avançar, ao mesmo tempo em que a curiosidade latente nos manda ir à frente e descobrir qual será a próxima surpresa.

Viagem ao interior, mistério e observações peculiares tornam este romance singular.

Agradeço, de coração, pertencer aos que tiveram acesso a esta obra em primeira mão. E torço para que a persona literária de Luiz volte a nos presentear com leituras tão interessantes e surpreendentes
.


Eu sei que é pouco. Mas diante de "Outono nas Araucárias", vejo-me em reflexiva suspensão. Como se estivesse, ainda, com o fôlego contido de surpresa e emoção.