17 de fev. de 2009

Meu sangue quente de calabresa


*Este é o mar mediterrâneo da parte que banha a cidade de Paola, onde minha mãe nasceu e onde ainda temos primos.

Com toda a propriedade do mundo, digo que "família" é a melhor coisa que Deus inventou.
Família pra comemorar
pra brigar
pra amar
pra falar mal
pra falar bem
pra se esconder
pra visitar
pra te manter em pé
pra te desapontar
pra te dar objetivos na vida
pra desviar você de seus objetivos
pra abraçar e beijar muito
pra estapear e ter vontade de matar também
pra rir
pra chorar
pra te consolar
pra você ter que consolar
pra você ter necessidade de ficar só
pra você ter pavor de ficar só
pra você querer deserdá-los
pra você achar que só eles merecem suas coisas

De tudo que é bom neste mundo, não há nada melhor que pai e mãe. Vive-se relativamente bem sem as outras extensões, mas sem pai e mãe, há sempre a sensação de que sua história pregressa, perdeu-se em algum lugar. Ou foi embora junto com eles.
Mesmo aqueles que tem os pais e moram longe e que por isso acham que eles não são tão importantes...no dia em que eles se forem, irão sentir a inevitável sensação do desolamento.
Somo como lobos. Devemos viver em alcatéias. Mogli só sobreviveu porque foi adotado por lobos.
E a graça de se viver sozinho, somente existe quando relativizada. Viver só, só, somente só...é insuportável. O Náufrago de Tom Hanks não sobreviveu porque achou a bola Wilson. Sobreviveu porque sua solidão era relativa, já que possuía vínculos familiares e um grande amor em algum ponto do planeta.
Os brasileiros que topam enfrentar jornadas absurdas, extenuantes e humilhantes em outros países, são motivados e sobrevivem graças aos vínculos aqui deixados.
Somente hoje entendo o clamor do sangue e o status absoluto em que ele existia na família da minha mãe, principalmente entre ela, sua irmã mais velha que ainda está viva (Graças a Deus) e tio Gioacchino (há um outro irmão, mas este eu aposto que fizeram transfusão de sangue total assim que nasceu... não tem nada de nós). Eu e meus primos somos a 1@ geração brasileira. Mamãe e seus irmãos nasceram em Paola, uma linda cidade mediterrânea, na Calábria. E como se sabe, italianos consideram-se por sangue, não por solo - mais uma evidência da influência do clã sobre a vida de seus componentes.
Eu sinto que meu sangue, este sangue italiano e de calabresa braba, comanda minhas reações. E quando vou contra isso, fico extremamente infeliz, deslocada e sem sentido.

Hoje dei o braço a torcer... Sabe aquelas situações que nos magoam e nas quais nos fazemos de indignados? Pois é, o sangue falou mais alto, e resultado disso é que, após quase 1 ano, eu abracei muito meu tio, o irmão mais próximo e parecido com meu pai, de mesma profissão, mesmos hábitos e de infinitos verões compartilhados. Senti meu pai naquele abraço. No toque das mãos. Na barba que espeta o rosto da gente. Na textura fininha do cabelo loiro acinzentado. Nos olhos de uma cor indefinida, às vezes verde, às vezes mel. E o abracei muito. Mais que o tempo normal de um abraço, como se estivesse tendo a possibilidade de abraçar meu pai mais uma vez. Pelo menos num faz de conta.
Isso me emocionou muito.

E cada vez mais pessoas dizem que às vezes esquecem que estão falando comigo, e pensam estar falando com minha mãe. E pessoas que eram muito ligadas a ela. Dizem que eu assimilei o jeito compreensivo e psicólogo da minha mãe (minha mãe era confidente de muitas pessoas. E nem pra mim contava o que sabia - o que me deixava irritadíssima). As conversas sobre arte e a preocupação com o próximo, o modo altruísta que ela tinha de ser e, engraçado, a última frase que minha mãe escreveu no meu laptop foi justamente esta: que não havia ninguém mais altruísta que eu, e que ela me amava muito. Enfim, não me vejo fazendo estas coisas, mas talvez por isso mesmo eu esteja ficando parecida com ela.

Quando alguém reclama de sua família pra mim, eu escuto quieta e digo: até disso você vai sentir falta.

*E uma coisinha bonitinha de hoje: brincando com minha afilhada de 2 anos, ela, na sua enrolada língua de criança, contou a historinha da princesa, da bruxa e do príncipe. A princesa desmaiada era eu. E lá foi ela a me dar um beijo babado de criança inocente na boca, pra princesa despertar.

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