9 de fev. de 2009

Uma de minhas furadas

No auge do desespero somos capazes de fazer coisas que, antes, negaríamos até a morte.
O que eu fiz foi ainda inflamada pela dor e confusão da morte do meu pai.
Ninguém entende que a dor começa a piorar depois de 15 dias, 1 mês.

Enfim, eu, criação católica em colégio de freiras, com pavor, preconceito e um racionalismo prepotente contra qualquer manifestação que invoque orixás, demônios ou coisas parecidas... Eu, com minhas explicações neurocientíficas para fenômenos desenvolvidos por auto-projeção, no desespero, aceitei o convite de um casal amigo do meu pai e lá fui, com minha tia e um outro primo (que é a vítima de plantão de todas as minhas furadas), a um tal Terreiro...
O lugar era longe. Numa cidade metropolitana. Numa estrada secundária. E lugares sinistros, pra parecer desenho do Scooby-doo, só funcionam à noite. (Ah, claro! minha cachorrinha cofap, a Loló Black Dog, estava junto).
O casal havia chegado antes - pois segundo a lenda - o negócio era movimentado.

Cheguei. Mais parecia o Bali Hai de verão. Rodei atrás de vagas até que encontrei... Descemos. Loló ficou no carro, é claro.
O negócio era um Projac dos babalorixás...
Tinha lojinha de um lado, mini-tenda de outro... tudo muito bem construído e bonito.
E os carros que estavam lá eram, na maioria, de luxo. (Pensei: será que é assim que esse povo fica rico? Chupando sangue de pescoço de cabra?)
Entramos, tomamos nossos lugares. Eu estava morrendo de medo e olhava pra tudo com estranhamento. As pessoas se encontravam, faziam algazarras e por um momento esqueci que aquilo era um Terreiro. Achei que era Rave.
Era uma espécie de picadeiro. No centro, um povo com roupa de vendedor de cocada... aquelas coisas cheias de panos brancos... começou uma música...o povo em volta cantava... Não, pensei eu, estou em esquenta de Ensaio de Escola de Samba.
Passavam pessoas vendendo água e cerveja (acho que pro santo descer mais contente)...
Rufaram os tambores (que meda!!!!). De repente todo o povo que estava disperso foi se juntando no meio do picadeiro... cantando e fazendo aquelas coreografias 2 pra lá, 2 pra cá...
Eu era a única que não cantava nada.
Meu primo, após algumas tantas latinhas de cerveja, já parecia pertencer aos fanáticos...
Um grito: Eparreeeeeeeeeeeeeeeeiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ai Jesus, pensava eu, enquanto agarrava meu escapulário de N. Senhora.
Ameacei ir embora. Minha tia lançou argumentos convincentes: você vai saber do seu pai... (embora no meu íntimo eu visse meu pai desprezando aquela encenação toda).
O negócio começou a pegar fogo no picadeiro. Era um tal de bater cabeça, de cantar, tanta coisa que o Cirque Du Soleil ficaria com inveja...
Foi quando umas figuras vestidas não sei do que saíram do centro e encenaram a dança da chuva, vindo, cada uma, na direção das portas. Eu estava ao lado de uma porta e não me dei conta. O coisa peluda veio chegando e lançou, com toda força, uma adaga que fincou na porta ao meu lado. Eu pensei: que viadofilhadaputa, se me acerta esse maluco???
E eles disseram que o Tranca-rua trancava tudo a partir daquele momento.
Meu coração estava disparado. Eu só rezava pra não encontrar nenhum conhecido,porra!

E o negócio demorava, enrolava, era canto pra mil santos diferentes. Eu já de saco cheio. Falei: tia, caraio, vou sair daqui. Tô com falta de ar, esse fumo de rolo fedido, essa gente histérica, tô passando mal... Ela argumentou que não poderia sair pois o tranca-tudo tinha trancado as portas e ninguém podia se mexer. Eu falei: eu não tô nem vendo ele aqui... E saí, com os olhos de todo mundo nas minhas costas...
Que alívio sentir o ar fresco. No estacionamento, uns 500 carros, sem brincadeira...
Corri pro meu, onde estava a Loló e levei-a pra dar uma voltinha, pois ela deveria fazer xixi.
Fomos andando. Tudo era muito bem cuidado. Ela queria água. Eu não achava uma torneira. Avistei um laguinho, onde a lua cheia refletia. Disse:Loló, um laguinho! Vamos ver! Lá fomos nós...
À medida que me aproximava, o lago assumia contornos estranhos... Não era um lago tal e qual eu conhecia. Como o terreno era cheio de altos e baixos, fomos chegando perto... Não!!! Definitivamente não era um lago. Era um cemitério!!! E as lápides em mármore, onde a lua refletia, fez que eu associasse a imagem a um lago.
Porra, um cemitério. Naquela hora eu me senti o Salsicha e a Loló, o Scooby-doo, de verdade.
Gritei: simbora! pra Loló e saímos correndo. Estávamos longe do circo. Foi quando eu vi um quiosque iluminado e pensei: ufa!!!! é pra lá que eu vou...
Corremos tantos que chegamos rápido. No quiosque só havia um preto velho sentado, de chapéu e cotovelo no joelho. Na sua frente um bandejão e umas velas vermelhas e azuis... Cacete!!!
Era uma entidade qualquer. Eu tava frita! Por onde sai daqui??? Com apenas a lógica de que tudo que sobe, desce, lasquei a descer o morro... Estava muito escuro, não fosse a lua Cheia, nós estávamos ferradas...
Quando cheguei ao carro, me senti no útero de minha mãe... Guardei a Loló e voltei correndo para o circo. Pela mesma porta esfaqueada que o tal do Tranca tudo havia trancado. Quebrei o protocolo e entrei.
Minha tia ainda lá... e meu primo, álcool 90graus, fazendo gestuais pra receber algum santo que por lá passeasse.
Depois de tudo isso, comecei a chorar como uma criança. O velho que estava organizando a entrada pra conversa com os médiuns, me viu e me chamou... e por conta do meu choro, furou a fila pra que eu falasse com uma mulher mais ou menos da minha idade, alguns anos de LSD a mais na veia.
A mulher, acocorada num banquinho, fumando um charutão, me disse: qq cê têm fiá...
Eu: eu quero falar com meu pai!!!!!!!!!!!
Juro que a mulher possuía uma personalidade esquizofrênica. No mesmo instante em que ela ria, olhou pra baixou e voltou chorando..."ó que saudades de vc minha filha...quanto tempo que não te vejo..."
Minha tia estava a fim de brigar, eu percebi... e eu disse: "mas não é tanto tempo...vc morreu na quarta e hoje ainda é segunda!!!"
Ela: "não não minha filha... que saudades de você... não tá me reconhecendo???"
Eu: hã???
Ela: "sou eu, tua mãe"
Eu: "Mas eu não quero falar com minha mãe. Eu quero falar com meu pai!!!! Meu pai!"
Aí minha tia entrou no assunto: se vc diz que é quem vc diz ser, me dê uma prova...
Eu: tia, num provoca o santo pelamordeDeus!!!
Ela, a médium, ria disfarçando uma ponta de raiva. E me abraçava, e chorava.
Minha tia: me diga uma coisa que vc gostava muito de fazer (a resposta era: pintar.)
Ela, a médium: eu gostava de ficar no meu jardim,olhando minhas plantas... (resposta errada: minha mãe odiava jardim, mato e flores. Mas ódio mortal).
Depois disso não nos restou mais nada a não ser sair correndo daquele lugar pra nunca mais voltar.
Claro que não, sem antes, encontrar algum conhecido. Uma perua que trabalhava comigo e que eu jamais em tempo algum, imaginei encontrar lá.
Como ela fez que não me viu e eu fiz a mesma coisa... assim ficou...
E plagiando Padre Quevedo, estas coisas, não EKSITEMMM

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