12 de mar. de 2009

Sexta-feira o bicho pegava

Sexta-feira, almoço...

Pra mim, cedo. Para o meu pai, tarde. Muito tarde...Ele deveria estar no campo às 14h e almoçar às 13h era inconcebível. Motivo de brigas.
Quem conheceu meu pai sabe que a garganta dele não perdoava...Que voz gutural. Parecia um leão rugindo. E o vocabulário? Requintado como o de um jogador de futebol....Epa! Mas o motivo da briga era esse: ele TINHA QUE chegar às 14h no campo.

Nãooooooo....o jogo, propriamente, não era às 14h. Quem poderia se dar ao luxo de largar tudo sexta-feira às 14h e ir para o futebol??? QUem??? Só ele, o Prof. Hildo. Sexta-feira, esqueça. Era o dia do futebol com o time mais importante (ele tinha outros times em outros dias da semana, mas isso eu conto depois)...E então, pra que chegar tão cedo, pai???

Não havia motivo. E essa falta de motivo somada a ansiedade por chegar mais cedo eram um grande MOTIVO pra infernizar a vida da minha pacífica e educada mãe....Ela ficava nervosa e não via a hora do marido sair..."Que sossego, ela dizia...Sexta-feira é o dia da semana que eu mais gosto...O Hildo não vem jantar, posso sair com a Pati e voltar tardão... Ninguém pra me aborrecer...Ele só chega depois da meia-noite..." (mal poderia imaginar que ela viria a nos deixar numa sexta-feira, dia em que meu pai não pode ir jogar futebol...Lembro dele dizer sobre o seu corpo, no caixão: parece que ela fez de propósito, bem no dia do meu jogo...E mamãe morreu, acreditem, sorrindo. E assim deixamos sua expressão para a eternidade. A mulher que viveu rindo, não poderia morrer de outra forma).

Mas voltemos à sexta-feira...almoço agitadíssimo. Mamãe, cozinheira de mão cheia, fazia milhares de pratos cheios de amor. Coisas que meu pai gostava, coisas que eu gostava e coisas que outros gostavam. Era uma variedade de delícias sem tamanho...
Quanto mais meu pai a apressava, mas as coisas se atrasavam. E ele ia e voltava perguntando se ia demorar muito, ameaçando não comer nada... Minha mãe, nervosa, colocava a mesa e alardeava: tá pronto.
Era, obviamente, apenas uma tática de minha mãe. A coisa estava "quase" saindo.
E, é claro, funcionava de maneira pior: quanto mais sentado ele ficava, mais irritado e esbravejante era o resultado...
E se o tal do Jorge ligasse, era pior. Jorge é um advogado amigo dele que era mais ansioso ainda. E pressionava meu pai, que pressionava minha mãe, que pressionava a emissão de ácido gástrico no seu estômago e sinalizava uma gastrite.

Putz que confusão. Era o canal de esportes ligado numa mesa redonda, o rádio ligado em programa de debate de futebol, bolsa com uniforme, chuteira, meias, toalha de banho e sabonete com capim (é, não me perguntem como) pendurada na cadeira, meu avô sentado no seu lugar de sempre no sofá ou o vô Afonso a atrapalhar ainda mais a vida da minha pobre mãe, levantando as tampas de panela pra ver o que tinha de bom...e também a "apurar" mamãe já que o "guri" (meu pai), estava com pressa. Nesses dias eu me arrependia de vir almoçar em casa...Mas ainda bem que sempre vim...

Não raro o volume da televisão, do rádio e da voz do meu pai eram tão altos que nada se ouvia com nitidez... O almoço era servido. Meu pai olhava, pegava, comia, repetia, e dizia que faltava alguma coisa. Sempre.
Minha mãe olhava, pegava pouca coisa e dizia que havia perdido a fome.
Eu olhava, pegava, comia, dizia ao pai que ele estava estressado. Assim...até ele finalmente sair...Ufaaaaaaaaaaa...q alívio!!!!

Agora, pra que chegar tão cedo no campo? Se não havia ninguém? Pra cheirar a grama, procurar por vestígios no imaculado campo, olhar e pensar em alguma coisa...arrumar a mesa do 21, pois dali a alguns minutos chegariam mais sem-nada-pra-fazer para jogar com ele. Bater uma bola com algum garoto mais novo e que tivesse vontade... Ensinar dribles...arrumar a súmula. Tantos detalhes que nem em Copa do Mundo deve existir...
Respirar futebol até o jogo. Jogar nas 4 partidas, ser o artilheiro...É!! ele era capaz de jogar nos 4 times que se formavam...Ninguém aguentava. Saúde e preparação física de ferro! Somente um acidente mesmo pra lhe tirar a vida. Fosse por conta fisiológica, jamais morreria!
Depois do jogo, grupos de 4 ou 5 amigos eram responsáveis pelos jantares...Que eram ótimos, por sinal...E ali ficavam, até 1, 2, 3h da manhã...

Um comentário:

Unknown disse...

Era bem isso que acontecia, uma loucura!!! Que tempo bom!!! Pessoas maravilhosa!!! Amo vc aonde estiverem!!!!