21 de fev. de 2009

raio, raios e uma lembrança que a chuva trouxe

Vaiii, teima
teimosa, irredutível, obstinada, resistente
não acredita que raios queimam coisas
coisas encaixadas numa placa retangular com 2 buracos na parede
cheias, lotadas, repletas, plenas e satisfeitas
de energia Poltergeist.
chove em curitiba
a cena que vejo agora, é a mesma de anos atrás
chuva cai, triste e cinza e lava a minha rua azulada
lava minha alma também?

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Quem sou eu pra desafiar raios e trovões?
há tanto tempo que nem sei, neste mesmo verão de imensa carga d´água
láááá no sítio da gente - aquela gente que ainda vive lá, na divisa do RJ com Minas
do mesmo jeitinho
a gente corria a colocar os pés afastados da parede
do chão, do teto e de tudo que tivesse contato, atrito com o solo
solo que tivesse contato com a água e com o ar, com o céu e tudo mais
porque os raios lançavam braços de todos os lados
eu juro!
e podiam nos pegar
meu pai desafiava os raios
e ficava nadando. água, morros, raios e tempestade
sem piedade
solidária, entrava com ele n´água - se ele morresse eu morreria também
aí seriam 2 para o raio matar
muito trabalho, talvez..
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isso não parava o trabalho na casa
chinelos de borracha protegiam os very machos
como o S. Martinho, que tanta gente que já morreu achou que o homem
não iria longe, de tanto beber
os saudáveis se foram
mas enfim, volto à cozinha da casa velha do sítio
onde S. Martinho passa café fresco pro doutor que chega na chuva
de roupa branca de médico, cachimbo
e seu fusca branco
o carrinho vem carregado
o doutor sempre foi farto
mas dificilmente trazia coisas que crianças gostavam, como biscoitos, balas e porcarias
ele trazia carnes do S. Geraldo, compras da Bramil de muitas massas, azeites, goiabadas e coisas assim
a não ser quando minha tia colocava na lista: BISCOITOS FRU-FRU
que é como mãe, tia e avó minha chamam biscoitos wafflle
minha tia ainda chama. No céu minha avó e minha mãe também.
humm, café fresco do sítio... que aroma. que paladar. que calor.
pra acompanhar sempre tinha um biscoito, um bolo ou qualquer coisa assim
feitos por mãe
o doutor trazia tantas novidades da cidade, que toda gente ia a se juntar em volta da mesa
mãe, tia, pai, primos, cunhados e quem mais estivesse por lá
"fulano apareceu hoje na casa de saúde (a casa de saúde é o lugar onde os sem-saúde vão);
mulher do s. dito descobriu a outra; tem campeonato de buraco na casa do Bina; dia de Reis vou a Machado, casa de Olaci, irmã que tá SÔzinha, Hildo (meu pai) vai junto, guiando o "pois é" ("pois é" é como ele chamava o fusquinha, e como quase todos os mineiros do sul de Minas chamam quase todas as coisas); cadê Paulinho?come isso não meu filho, você num sabe a procedência (ele usava muito esta palavra: procedência); num vi Apache não, cadelhe? (Apache, o manga-larga marchador de estimação)... e assim ia
enquanto s. Martinho contava alguma fofoca de outros empregados do sítio
pra puxa o saco do doutor
e enquanto assava milho na brasa
e buscava baldes de mangas fiapentas e deliciosas
e enquanto alguém não lembrava que pamonha boa era a de Minas
pro meu tio inventar a pamonhada
e lá ia ele, pai, Martinho a ralar milho e a falar de mulheres
que não é porque morreu/morreram, que viraram santos
meu pai e ele eram mulherengos demais
e por isso mesmo, repressores demais com as 2 únicas mocinhas da família: eu e Adriana
a cozinha sempre estava quente, e acesa
o chão era de cimento queimado
foi casa de escravos
3 cômodos apenas, emendados
e enormes
cozinha, quarto que guardava mercearia seca e servia de esconderijo pra alguma cobra
e banheiro
o telhado se estendia para fora, criando um área externa do mesmo tamanho que a casa, só que sem paredes
lá paravam carros, mesa pra todo mundo, churrasqueira e pia velha onde dormia Zapata, o velho pastor alemão, e pia nova, onde não dormia ninguém
a casa, como toda família Mannarino, não tinha ritmo de gente
acho que o fuso de todos eles ainda era calabrês
então o almoço saía às 4, 5 h da tarde
minha avó era servida antes, pela minha mãe
lá por altas horas o jantar
ou de madrugada, quando o doutor voltava, ou o Hildo, ou o Paulo, de algum lugar
e inventavam alguma mistura de arroz-feijão-requeijão-bife
mesmo quem torcia o nariz não guentava o cheiro
nunquinha que alguém teve indigestão
madrugada era violão, piano pela vovó e tia-avó, ou ensaio da banda do meu primo, que guardava tudo lá na casa nova, a casa separada da velha por 10m de concreto plano, impressões e datas de tios que rabiscam no cimento fresco
que era onde a gente dormia - não no cimento, mas nos quartos, que tinham bem abaixo o cimento
ou então inventa-se um forró,
e aí todo mundo dançava com todo mundo
quem dava show era meu pai e minha mãe, dançarinos de primeira
eu não dançava nada. ballet clássico deixa menina desengonçada.
como arrastar o pé se a vida inteira ouvia pra andar na ponta do pé, esticando beeemmm o arco dos pés?
aventura era uma coisa tola
sair de madrugada comprar sorvete na parada
da BR-040 e na volta, contorno da estrada
apagar luz do carro e ficar quietos, debaixo do viaduto
pra ver quem o medo pegava primeiro

coisas de quem viveu no sitiozinho Santa Paula, divisa de algum lugar

2 comentários:

d disse...

que imagem ótima!

e quanta palavra... hehehehe
ta parecendo eu

mundodecarmen disse...

que gosto tinha isso tudo?